sexta-feira, 27 de agosto de 2010

UM CONTO DE DUAS CIDADES

Passei toda a minha infância em uma cidadezinha de nome Chuy. Não a do ditado “do Oiapoque ao Chuí”. A minha terminava com “y” e ficava do lado de lá da fronteira, em terras cisplatinas. Mas a única diferença com a quase homônima brasileira, era mesmo a grafia.

Poucos habitantes, poucas opções de lazer e muita poeira nas ruas. Sem nada de shoppings ou cinemas. Quem tinha um Super Nintendo era um privilegiado. Quem não tinha, bom, só podia contar com a própria imaginação. Eu tive meu videogame, mas ele só chegou na pré-adolescência. Até lá, tive de me contentar com um quintal.

Era meu playground. Um extenso tapete verde. Que com cadeiras no chão e um guarda-chuva em punho, transformei em campo de guerra. Com um balde e uma vassoura, em uma imenso oceano a ser desbravado. Com quatro garrafas, um campo de futebol.

Meu campo de futebol. Em grupos travando partidas épicas. Em trios, colocando a prova o corajoso que se candidatasse a ser goleiro. Sozinho, entortando zagueiros imaginários, batendo arqueiros invencíveis, escutando uma torcida que me amava. Me tornei o herói de uma multidão que não existia e que, todo dia, antes do café da tarde, gritava o meu nome sem parar.

As coisas melhoram no extremo sul. Alguns anos depois da chegada do Super Nintendo, meus pais decidiram reformar a casa. Uma piscina e uma churrasqueira foram construídas no meu quintal. O meu gramado virou um jardim. A minha casa ficou mais bonita é verdade. Mas eu vi meu Maracanã particular acabar. Sem gols imaginários aos quarenta e oito do segundo tempo, não tive outra alternativa, me tornei adolescente e segui crescendo.

Então cariocas, não fiquem tristes com a reforma do Maracanã, porque diferente do meu quintal, ele vai reabrir. E todos aí no Rio de Janeiro poderão ser crianças novamente, quando a bola voltar a rolar.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Chute e Reze. Pule e Reze

Os Deuses da Bola estavam entediados. Afinal é mentira que eles até então decidiam alguma coisa. Na verdade eles só tinham distribuído aptidões. Habilidade para os sambistas. Garra para os dramáticos. Disciplina para os desbravadores.

Um clube de vencedores quase impenetrável. Apenas com a ajuda de um juiz ou com um maestro, que por ventura, virou camisa dez, é possível peitar um lugar na mesa de jantar dos campeões.

Mas rotina é uma coisa chata. Para mortais e para deuses idem. Desta vez eles decidiram que também iriam fazer parte da festa.

Mais do que uma bola, os vinte dois homens que entraram em campo a cada jogo realizado na África, tiveram em seus pés um avatar.

Jabulani.

Poderia se chamar José, Rose, Leonardo ou Estela. Afinal tem vida própria como qualquer um de nós.

Os Deuses da Bola decidiram brincar com seus súditos. Adotaram uma forma esférica, e vieram nos dar uma lição: Futebol não é matemática. Futebol é mágica. A bola da copa é a manifestação física da imprevisibilidade.

Chute e reze. Pule e reze. Goleiros e centroavantes colocaram a prova toda e qualquer fé. O destino de cada finalização estava intimamente ligado ao humor desta nova e temperamental protagonista.

Deuses punem. A Jabulani pune.

Teimosia, medo e soberba são pecados capitais. Brasil, Alemanha e Argentina pagaram o preço.

Agora é o novo que tem vez.

Enterrem suas velhas idéias.

Reservem uma cadeira na mesa dos imortais.

Abençoados sejam holandeses e espanhóis.